Tenho acompanhado as edições do Ecomoda desde o início, e uma coisa posso dizer: a organização tem investido alto, e o evento tem crescido bastante. Primeira mudança bacana: nada de espaço sem cobertura ao ar livre. Depois do incidente acontecido em 2010, quando a chuva interrompeu os desfiles, parece que a equipe entendeu o peso das imprevisíveis chuvas de novembro/dezembro. Dessa vez choveu de novo, mas nada de interrupção de trabalho. Foi tudo montado no espaço Ford Antares – passarela, stands, exposições, lounge. Quem estava lá pelo backstage, como eu, sequer percebeu a chuva. Ponto pra eles.
Um dos espaços principais do evento, ainda cedinho. Depois ficou lotadão.
Mas já que eu falei do que havia no evento, voltemos a isso. A estrutura não era muito diferente do que acostumamos ver por aqui (vide Piauí Fashion Week e etc). Na parte externa estavam os stands de empresas amigas que patrocinaram, exposições de artistas locais (incluindo as homenagens à artista Kátia Paulo e à empresária Graça Mota). Logo na entrada montaram o lounge da Revista Yay e do grupo Sá Cavalcante (e que tava bem acolhedor, diga-se de passagem).
O lounge ainda sendo montado, cedinho. Depois foi só muita luz, boas músicas e bons drinks, gente bacana e Revista Yay. QQA???
Dentro do espaço da loja montaram a passarela, o que deu uma trabalheira danada todo dia, mas o resultado foi bom, porque tinha um espaço considerável e o clima tava geladinho delícia. Nas internas montaram um backstage agoniado, mas onde tudo correu bem, sob os cuidados do sempre vigilante Martins Paulo. Na parte superior foram apresentadas as palestras, que apesar de otimamente boas (pelo menos as dos lindos e sabidos Fabrício “OEstudio” e Chiara Gadaleta, que eu e Maria assistimos de pertinho), sofreram atraso no horário e na organização de equipamento, o que comprometeu a palestra do Junior Brandão, que eu tava lá pra assistir (#chatiado). Tá errado, produção!… Bom, no geral foi um evento bonito. Se não fosse pela minha pesquisa e pelo blog, ainda assim eu sairia de boa da minha casa pra ver, sem medo de ser feliz.
Bayà organizando as artes que ia expor.
Lindo também o espaço da Wanessa Valéria, cheio “dos origami”.
Agora, vamos ao que mais me interessa: a proposta do evento. Pois é, o argumento do Ecomoda é a sustentabilidade, a produção e consumo sustentáveis. E isso eu acho louvável, porque em uma capital como Teresina, cuja produção e consumo de moda (e de muitos outros itens) cresce lindamente, temos que discutir como fazer isso da forma menos agressiva possível para o meio ambiente, pensando no que daremos de volta para o mesmo depois de retirarmos parte dele para consumo próprio. O fato de que o mesmo é realizado em uma concessionária de veículos poderia também ser um bom argumento, já que o consumo de veículos é um dos que mais aumenta por aqui (e que já tem se tornado um problema urbano, vamos combinar). Porém, além de algumas discussões e do concurso de novos talentos (cujas peças são produzidas com materiais alternativos, e que eu fiquei “chatiado” com o resultado desse ano. #prontofalei), percebe-se pouco de ideias realmente sustentáveis naquele espaço. Eu sei que é complicado pensar em economias do tipo para um evento desse porte, mas observei que o consumo de energia, papel, descartáveis, entre muitos outros itens por ali é alto, bem alto. Isso foi inclusive comentado por algumas pessoas que estavam por perto também, e com quem pude conversar, já que me fazia presente nos bastidores. Também sabemos que é difícil economizar energia nessa quentura toda daqui, mas pode-se pensar em alternativas para tanto lixo que é produzido, por que não?
E já que falei disso, nada como estar nos bastidores de um evento desse tipo. Fiquei na parte dos desfiles, e nunca mais na minha vida olharei para um deles com o olhar de outrora. A correria, a prova de roupas, o ensaio, a angústia por não saber se estará tudo pronto na hora certa… Jesus amado! Quem vê do lado de fora, no conforto da passarela, no friozinho do ar refrigerado, não faz ideia do que tem por trás daqueles 10 minutos. Cheguei em casa morto no primeiro dia, e olha que eu nem tava trabalhando, só tirando foto e fazendo minhas observações… Clap clap clap para o Martins e sua equipe show.
As gatas ensaiando sob o olhar vigilante do Martins.
Mas voltando à proposta do evento (peloamorde, que ninguém me ache chato, mas vamos conversar um pouco mais sobre isso). Na real, sinto uma incoerência. De boa, uma grande incoerência. Porque em um lugar onde deve ser discutida, pensada, refletida a ideia da sustentabilidade (ou pelo menos penso que deveria ser), o que mais acontece (e que é mais aguardado por todo mundo, fato) são os desfiles, exatamente para mostrar o que está disponível no comércio me moda local (predominantemente de luxo), e estimular o consumo destes produtos. Até porque não faz sentido para um (a) empresário (a) investir alto em um evento do tipo, se na semana posterior a loja não estiver cheia de clientes querendo comprar aquilo que foi mostrado. Se não fosse assim, onde estaria o retorno???
Ok, evento de moda é assim mesmo. Mas já que é assim mesmo, por que não se pensa ao menos naquilo que é mostrado? Por que em um evento de moda sustentável não se considera a possibilidade de mostrar produtos mais modestos, feitos com materiais naturais, que agridem menos o ambiente? Produtos que temos em abundância aqui no Piauí, por exemplo, e que podem fazer com que, pelo menos, voltemos nosso olhar para o que é nosso de verdade. Não vou dizer que não tenha, até tem (Kalina Rameiro que o diga, com aquela coleção escandalosamente linda, quase toda em prata e pedras naturais. Escandalosamente cara, creio. Mas é coisa nossa, e isso é bom).
Martins ajeitando as gatas lindas pra tirarem foto, no backstage do desfile da Kalina.
O que eu pude ver, em boa parte do que foi desfilado, era muito luxo e muita ostentação. Muita coisa cara, absurdamente cara para os nossos padrões reais (sejamos realistas, mas uma peça de roupa cujo valor corre na casa das 4 cifras não entra na categoria de valor real para a maioria das pessoas). Se aqui nós temos uma parcela da população que pode consumir isso, ótimo. Se vai ser vendido, melhor ainda! A intenção é essa! Porém, dou uma de chato, e continuo a bater na mesma tecla: não é corente em um evento cujo argumento principal é a sustentabilidade.
Parte das peças do desfile da estilista Andressa Leão, que foi pura lindeza e pura riqueza.
Algo que percebi na palestra da Gadaleta, e que me deixou com a língua coçando é que, no que diz respeito à sustentabilidade, fala-se muito em consciência ecológica/ambiental. De consciência econômica/financeira fala-se bem menos. Claro que as empresas devem pensar em como estão produzindo, no quanto são agressivas ou não, e nós temos que saber filtrar isso como consumidores. E tudo bem que em última instância o que cada um faz do dinheiro que ganha é problema seu. O argumento de que “ralei pra isso, uso com o que quiser” é bem presente por aqui, em uma cidade onde temos uma classe média/média alta bem próspera e que trabalha muito (isso sem falar dos muito ricos de verdade). Ou seja, as pessoas gostam de consumir e de pagar caro pelo que consomem. Só que pra onde esse dinheiro todo tá indo? Que rumo tá sendo dado pra ele?
Chiara Gadeleta, morta de linda, usando um dos colares show da nova coleção da Kalina Rameiro.
Entendam, eu não estou dizendo que a partir de agora é pra todo mundo pegar 30% do salário que ganha e mandar para a filantropia (se bem que não seria de todo ruim), mas questionar em que ele tá sendo investido. A quem ele vai enriquecer de verdade? Além disso, o que fazer com tanto lixo que produzimos à medida que consumimos mais e mais? Será que a gente consegue viver com um pouco menos de ostentação por pensarmos naquilo que estamos devolvendo ao mundo de onde estamos tirando? Eu sei que tem gente aqui em Teresina que dever querer dar na minha cara quando eu falo desse tipo de coisa, até porque eu acompanho mais ou menos de perto essa comercialização de moda local de coisas bem salgadas. Mas eu não quero que as pessoas deixem de comprar, apenas que façam isso de forma um pouco mais consciente. Aposto que ninguém – consumidores e empresários – sairá no prejuízo por isso. E o mundo (incluindo nós, que nele estamos) tem bem mais a ganhar.
Ok, mas tentando retomar a coerência da coisa (obrigado e parabéns pra você que chegou até aqui, eu nunca escrevi um post tão grande na minha vida), minha crítica (se é que tenho o direito de fazer isso) é em relação à incoerência que percebo na proposta do evento. Mas o mesmo é show, vale a pena ser prestigiado, apesar dos pesares, de algumas pequenas falhas aqui e ali, da distância… Tem coisa bonita pra ser vista, gente interessante com quem se possa conversar, música… Ah, mas, por favor, falta investir em um espaço de alimentação mais incrementado (falou o esgalamido). O povo tem fome, minha gente, e lá por perto da Antares da João XXIII não tem nada da nada de alimentação por perto! No primeiro dia eu saí verde de fome, e cri cri cri…
P.S.: E para fechar (prometo), algo a ser pensado: O acesso do público aos desfiles. Muita gente vai pensando que pode entrar de boa, e lá na hora, só mediante convite. Tudo bem que é assim em todo evento de moda no mundo inteiro, mas talvez seja o fato de deixar essa informação um pouco mais clara, não sei. Escutei queixas de acadêmicos de moda que me disseram que gostariam de assistir, até mesmo como forma de experiência, mas não tiveram como. Bom, sobre isso eu não sei ao certo o que dizer. Acho que é algo para ser refletido entre os organizadores.
E isso é tudo, pessoal!
❤